Mi Buenos Aires querido…

Mi Buenos Aires querido…

A cidade de Buenos Aires foi fundada em 1580 e em 1750 por lá aportou o flautista Saccomano, provindo de Bari em Itália. O flautista, seis anos mais tarde, pediu ao Governador o “privilégio” de fazer montar “operas y comedias” na cidade. As primeiras, à semelhança do que se passava em Lisboa pela mesma época, eram montadas em pátios — curiosamente, interpretadas por cantoras vindas do Brasil.

A coisa pegou de tal maneira que em 1757 já inaugurava em Buenos Aires a Casa de Operas y Comedias. Em 1578 a coisa ganhava foros normais de funcionamento: o sócio de Saccomano — Pedro Aguíar de seu nome — assinou um contrato com o compositor Bartolomé Mazza e depois atravessou o mar para vir a Espanha contratar artistas. Com estes, fez representar uma ópera com música de sua autoria intitulada Las variedades de Proteo, com libreto do português António José da Silva. Este, nascido no Brasil em 1705, já tinha sido entretanto mandado queimar pela Inquisição Portuguesa em 1739.

O presente edifício do Teatro Colón, que faz 110 anos, substituiu o Colón original que inaugurou a 27 de abril de 1857 com a ópera La traviata de Verdi. Alfredo era Enrico Tamberlick, célebre tenor que tinha estado em São Carlos nos Anos 40 e que cá voltaria nos Anos 70.

No final do século XIX a febre lírica era tão grande que se tornou claro que era necessário outro teatro de ópera na capital argentina. Assim, o Colón original encerrou as portas em setembro de 1888 e, depois de vinte anos em construção, surgiu, qual Fénix, o presente edifício, que foi inaugurado a 25 de Maio de 1908 com a ópera Aida de Verdi. Radamés era Amedeo Bassi e Aida era Lucia Crestani. Esta cantora apresentar-se-ia em São carlos na temporada de 1911/12 no mesmo papel. Nessa temporada o cartaz do Colón anunciou dezassete títulos e algumas das estrelas foram Tita Ruffo (Amletto, de Thomas), ou Chaliapin (Mefistofele, de Boito). Importa referir que quando este segundo Colóm abriu as portas funcionavam em Buenos Aires vários teatros líricos: Opera; Politeama Argentino; San Martín; Coliseo Marconi eram alguns deles.

O Cólon rapidamente se tornou o mais importante teatro lírico da América do Sul, mais importante do que os existentes no Rio de Janeiro, em São Paulo, em Manaus, em Santiago do Chile, em Cuba, na Ciudad de Mexico. No século XX, o Colón deu a conhecer ao continente sul-americamo óperas tão importantes como Jenufa (50), Wozzeck (52), Christophe Colomb (53), Il prigionero (54), La figlia di Iorio (55), A Midsummer night’s Dream de Britten (62), Idomeneo (63), Les troyens (64), Dialogue des Carmelites (65).

Era um teatro que até há uns anos recebia os seus artistas como ninguém e vários deles manifestaram isso nas suas Memórias, como Régine Crespin, por exemplo.

Em 2006 visitei o Colón quando estava em Buenos Aires e aí soube que uma das cantoras que mais se apresentou em São Carlos — o meio-soprano Fiorenza Cossotto — era conhecida no Colón como “l’Unica!”. Entrevistei então a cantora e “confrontei-a” com tal facto:

O público do Cólon talvez me chamasse “única” por pensar que eu representava a cantora ideal. Não sei dizer porquê…

Cantei lá todos os personagens do grande repertório, da Amneris à Azucena, passando pela Adalgisa da Norma, a Giovanna da Anna Bolena… Cantei lá quase todo o meu repertório. Fiz também La favorita. Agora não me consigo recordar de todos. Era um público extraordinário.

Estreei-me lá com Don Carlo e nessa estreia o maestro do coro (Buoni, chamava-se) , que era meu amigo, disse-me: Fiorenza não te deixes impressionar se esta noite (já não recordo que noite especial era) não tiveres um aplauso muito caloroso, como aqueles que costumas ter em todo o mundo. Então entrei em palco preocupada, com o coração aos pulos. Porém, quando terminei a Canzone del velo o teatro veio abaixo e tive um dos mais longos aplausos de toda a minha vida. Esta primeira ária de Eboli é muito difícil tecnicamente, mas não faz cair teatros, como a ária O don fatale. O maestro Buoni não sabia o que fazer, porque os aplausos não acabavam: Io non capisco piu!, dizia ele.

Isto deu-me um imenso prazer.

O Colon é um dos maiores teatros do mundo, é um teatro cujas dimensões impressionam.
[O auditório, em forma de ferradura, tem cerca de 2500 lugares, um pouco mais do que o monumental Covent Garden de Londres].

Planta Colón

Mas eu estava habituada a cantar na Arena de Verona.

Tenho amigos e admiradores em Buenos Aires que continuam a telefonar-me.

O público do Colón dava ovações históricas, mas por vezes sublinhava os seu desagrados. E lá surge uma vez mais La traviata na história da centenária casa: os primeiros ovos atirados para o palco do Colón partiram-se durante récitas desta ópera!

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