Shostakovich recorda Meyerhold

Shostakovich recorda Meyerhold

Vsevolod Emilevich Meyerhold aderiu entusiasticamente à Revolução Russa, inscreveu-se no Partido Bolchevista e tornou-se um defensor do novo teatro soviético. Fundou em 1920 o seu próprio teatro, que de 1923 a 1938 tomou o seu nome.

Meyerhold inspirou inúmeros criadores (Eisenstein foi um deles) e opôs-se veementemente ao realismo socialista. Nos Anos 30, quando Estaline reprimiu as vanguardas e os experimentalismos, as produções de Meyerhold foram oficialmente consideradas como estranhas ao povo soviético. O seu teatro foi encerrado em 1938 e ele foi preso em Leningrado a 20 de junho do ano seguinte. Pouco tempo depois foi brutalmente torturado a fim de confessar que trabalhava como espião para os japoneses e para os britânicos. Foi fuzilado a 1 fevereiro de 1940.

Meyerhold também se interessou por ópera, obviamente (qual o encenador que não se interessa?), e manteve uma importante ligação artística com Shostakovich. O compositor, nas suas Memórias, dedica-lhe várias passagens.

Conheçamos algumas.

Penso muito frequentemente em Meyerhold, mais do que deveria.

Conheci-o em Leningrado em 1928. Não me recordo do que falámos. Recordo apenas que Vsevolod Emilyevich me perguntou se eu gostaria de integrar o seu teatro. Aceitei imediatamente e pouco tempo depois fui para Moscovo e comecei a trabalhar no Teatro Meyerhold em funções musicais. Mas saí no mesmo ano; aquilo envolvia um trabalho muito técnico. Não consegui encaixar-me. O meu trabalho ali consistia, basicamente, em tocar piano. Por exemplo, se uma atriz em O Inspector-Geral precisasse de cantar um romance de Glinka, davam-me uma casaca, eu entrava em cena e sentava-me ao piano. Também tocava na orquestra.

Eu morava em casa de Meyerhold na Av. Novinsky. Na altura, estava a trabalhar arduamente na minha ópera O Nariz e houve um incêndio no apartamento numa noite em que eu não estava. Meyerhold salvou os meus manuscritos e devolveu-mos intactos. A minha partitura sobreviveu graças a ele – um magnífico gesto, porque ele possuía coisas bem mais valiosas.

Vi a sua encenação e A Dama de Espadas de Tchaikovski no Teatro Maly.

Algumas das suas ideias foram-me úteis. Esta, por exemplo: devemos estabelecer um novo objectivo técnico em cada obra. Outra: se uma encenação agrada a todos, deve ser considerada um total fracasso; se, por outro lado, todos a criticarem, talvez haja algo de aproveitável nela; o verdadeiro sucesso só chega quando as pessoas discutem acerca dela, quando metade da audiência está em delírio e a outra metade nos quer pôr fora.

 Estaline odiava Meyerhold. Era um ódio, digamos, por procuração, porque ele nunca esteve presente numa encenação de Meyerhold. Nem uma. Estaline baseava inteiramente em denúncias os seus sentimentos por Meyerhold.

 Quando recordo Meyerhold fico triste e não apenas pelo terrível destino que se abateu sobre ele. A tristeza vem do facto de que eu e ele nunca montámos nada juntos. Ele queria encenar a minha ópera O Nariz e não se conseguiu. Quis encenar a Lady Macbeth, e também isso falhou. Eu escrevi a música para uma das suas produções, O Percevejo de Mayakovski, embora sentisse antipatia pela peça. Meyerhold queria escrever uma ópera comigo baseada em Herói do Nosso Tempo de Lermontov. Planeava escrever ele próprio o libreto. Depois, pensámos escrever uma ópera baseada em Masquerade de Lermontov. E propôs-me que escrevesse uma ópera sobre Hamlet, que ele encenaria.

É muito triste.

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