A atriz Sarah Bernhardt representou La Dame aux Camélias, de Alexandre Dumas, Filho, no Teatro de São Carlos a 13 e a 29 de Novembro de 1895. Não foi o único título que “a grande Sarah” representou no nosso palco, mas este interessa-nos sobremaneira devido à proximidade de La traviata. Folheando o Volume I do livro O Teatro de São Carlos – Dois Séculos de História, do Dr. Mário Moreau, leio a páginas tantas que a Duquesa de Palmela fez enviar a Bernhardt, em todas estas representações em São Carlos, um enorme ramo de flores atadas por longas fitas com as cores da Casa de Palmela. Na Festa Artística de Sarah Bernhardt (que ocorreu a 19 de Novembro de 1895 com a peça La Femme de Claude em 3 actos de Alexandre Dumas, Filho e com a peça em 1 ato Jean Marie de André Thieuret) a atriz recebeu ainda da Duquesa uma cruz bizantina cravejada de pedras preciosas.
Esta 3ª duquesa de Palmela (Maria Luísa Domingues Eugénia Ana Filomena Josefa Antónia Francisca Xavier Sales de Borja de Assis Paula de Sousa Holstein Beck de seu nome completo) viveu de 1841 a 1909. Foi artista (escultora), era amiga de artistas e auxiliou muitos deles. Com preocupações sociais, decidiu criar em Lisboa a «Sociedade Promotora das Cozinhas Económicas». Para ela, surpreendentemente, «cada pobre tem sobeja razão de reclamar contra as iniquidades com que o mundo o oprime e de reivindicar um estado de ordem mais perfeito».
A informação de que a Duquesa tinha oferecido uma cruz cravejada de pedras à Bernhardt fez-me recordar algo que tinha lido há uns tempos. O último capítulo do livro De Música, de Alexandre Rey Colaço (publicado em Lisboa em 1923 na Imprensa Libânio da Silva, sita na Travessa do Fala-Só, nº24), intitula-se significativamente “A Duqueza” e é, todo ele, uma homenagem a esta Duquesa de Palmela.
Aí ficamos a saber que no Palácio que era o dela (onde hoje está sediada a Procuradoria Geral da República) foi dada uma “brilhante ceia a Sarah Bernhardt, que teve como convivas o conde de Ficalho, Ramalho Ortigão e Mousinho de Albuquerque”. Ficamos ainda a saber que “a Duqueza não admirava Mozart sem reservas; e, de Schubert, só saboreava os adoráveis lieder.”
Encontro, também nesse livro de Alexandre Rey Colaço, referência a uma outra valiosa dádiva da Duquesa de Palmela a outra grande atriz, desta vez a italiana Eleonora Duse (1854-1924), que representou em Lisboa, mas não em São Carlos:
“As valiosas perolas, que usava ás vezes, tinham sido adquiridas, creio, que pela Condessa da Povoa, mãe da Duqueza. Ouvi dizer que essas perolas – um admirável colar e uns brincos de pingentes, fóra outras joias que completavam o adereço – tinham pertencido a Maria Mancini, sobrinha do Cardeal Mazarino, que Luis XIV quis despozar, e de quem Mignard fez o conhecido retrato hoje no Museu de Berlim, no qual se veem as famosas perolas. A Duqueza desprendeu-se de duas perolas d’aquela parure para as oferecer á grande Duse, que sabia bem o que representava essa dádiva, quando m’as mostrou orgulhosa, uma noite em Berlim, em casa da família Mendelssohn, onde tive a honra de jantar á sua direita.”