Clara Novello e Rosine Stoltz protagonizaram uma fervente “Starwar” em São Carlos.
Uma vez mais, recorro a Fonseca Benevides:
“No publico de S. Carlos formaram-se dois partidos, Stoltzistas e Novellistas; à porfia applaudia cada um d’elles o seu idolo; era interessante ouvil-as no dueto do ultimo acto da Semiramis, em que Rossini escreveu no allegro phrases alternadas para as duas damas, respondendo uma á outra; cada uma d’ellas variava o motivo de seu modo; era um duello entre as cantoras, assim como era um duello entre os seus partidarios; a principio as armas dos inimigos eram só os applausos; mas esgotadas todas as manifestações de applauso, palmas, vivas, lenços, flôres, versos, pombos, pássaros, etc., recorreram á pateada! Foi uma das scenas vergonhosas que por vezes se tem visto em S. Carlos; basta dizer que foi precisa a intervenção e um pacto entre os partidarios mais moderados e rasoaveis das cantoras, para que alguns novellistas não arremeçassem alhos e corvos à Stoltz na noite do seu beneficio, em que a actriz cantou os actos 3º e 4º da Favorita, o 2º acto de Charles VI, e a canção Le fils de la Vierge.
Durante os ensaios da Semiramide o ambiente foi muito tenso entre as duas cantoras. O marido de Novello, o Conde Gigliucci, estava presente e fazia-o “to prevent Clara, with her more than sufficiently spirited character, from losing her temper when the Stoltz was rude to her”, como ele próprio escreveu: “Para prevenir que Clara, com o seu temperamento fogoso, perdesse as estribeiras quando a Stoltz era mal-educada com ela”.
Lisboa dividiu-se entre as duas cantoras.
Fonseca Benevides que (recordam?) não referiu a cantora quando falou da viagem de Genova a Lisboa, não foi imparcial nesta “guerra”. Atente-se nas suas opiniões:
“A Companhia lyrica era muito desigual; contava no seu seio uma celebridade, Rosina Stoltz, meio soprano já estragado de voz mas artista de grande talento e muito dramatica, e Clara Novello, com voz de soprano, regular e agradavel, e manejando bem o genero de agilidade floreada, mas com negação para a scena, e nenhuma expressão no canto; mas é um facto, por vezes observado, que o publico de S. Carlos tem em geral grande predilecção pelas cantoras ligeiras, e leva os applausos ao maximo exaggero quando ouve fiorituri em tessitura agudissima e afinada; emfim, como se diz em phrase vulgar, adora os ki-ki-ri-kis na ultima oitava dos sopranos sfoggati”.
Mais mimos:
“(…) a Novello, cantora mediocre, apenas conhecida nos concertos que annualmente se davam em Inglaterra.”; ou “Clara Novello ficou sempre no estylo uma cantora de concerto de Inglaterra; o seu canto nunca adquiriu uma verdadeira correcção; tinha, porem, bastante facilidade não para a agilidade larga e valente, mas para as corridas levez e floridas; muito fria no canto, ainda mais peccava pela mimica, pois os seus gestos eram sempre falsos.”
Enfim, não podendo de todo esconder a realidade, escreveu:
“(…) a Stoltz não deixou de ter por si muitos admiradores enthusiasticos, mas em menor numero que a Novello.”