KRZYSZTOF PENDERECKI: DEIXA DE FUMAR!
Causou sensação em Lisboa em 1970, num Coliseu dos Recreios a abarrotar de gente, a estreia em Portugal da Paixão Segundo S. Lucas de Krzysztof Penderecki no decorrer de um Festival Gulbenkian de Música. Assistiu-se nessa noite ao fenómeno raro de o público assistir maravilhado (e prestar uma tremenda ovação!) a uma obra que manejava intensamente todas as técnicas e apetrechos da música de vanguarda.
Penderecki tornou-se figura incontornável nos finais dos Anos 50 e a partir daí começou a ser considerado como um dos mais importantes compositores polacos e mundiais. Faleceu no passado dia 29 de Março. Compôs óperas, sinfonias (estava a pensar escrever a Nona quando a morte o colheu), peças sinfónicas, concertos instrumentais, versões corais dos maiores textos religiosos, música de câmara. Foi premiado com as maiores distinções em todo o mundo (Polónia, Alemanha, Itália, Inglaterra, EUA, Áustria, França, Finlândia, Israel, Mónaco, Irlanda, União Europeia, Espanha, China, Japão, Lituânia, Chile, Arménia, Malta, Estónia, Rússia, Coreia do Sul, Roménia, Perú, Suécia) e a sua popularidade atesta-se também no aproveitamento que o cinema fez da sua produção. Filmes como O Exorcista , The Shining e Shutter Island utilizaram excertos de várias obras suas e David Lynch usou a sua música na série Twin Peaks. O compositor escreveu ainda para o filme Katyn de Andrzej Wajda.
Krzysztof Penderecki e a sua obra estiveram também presentes em São Carlos. A primeira aparição deu-se em 1976 com a sua ópera Os Diabos de Loudun numa produção do Grande Teatro de Varsóvia. Foram duas apresentações, a 16 e 17 de Maio. O espectáculo foi empolgante e obteve um tremendo sucesso, apesar de uma música a que a sala não estava, de todo, habituada. Eu era teenager e recordo ainda a excitação de um — então também teenager — maestro João Paulo Santos na plateia, com uma enorme partitura aberta, a seguir o espectáculo!
Krzysztof Penderecki desenvolveu paralelamente uma notável carreira como maestro e deslocou-se nessa qualidade várias vezes ao nosso país. Recordo, por exemplo, de o ouvir dirigir a Orquestra Gulbenkian na Sinfonia do Novo Mundo de Dvorak. Recordo também que ele esteve à frente da nossa O.S.P. em Maio de 1997 como maestro do seu próprio Concerto para violino.
A vida deu-me oportunidade de passar com ele precioso tempo em 2002 durante uma das várias ocasiões em que se deslocou ao nosso país para dirigir a Orquestra do Norte. Convidei-o então para uma entrevista radiofónica que decorreu nos estúdios da RDP Norte. Eu confesso que estava nervosíssimo, apesar de acompanhado pelo maestro José Ferreira Lobo, que era amigo do compositor. Não é todos os dias que falamos com músico que, sabemos, irá ficar na história! Depois de acabado o trabalho, combinámos jantar. O único pedido de Penderecki foi o de irmos a um local onde se pudesse beber um bom vinho português. No primeiro andar de um restaurante semivazio em Matosinhos, então, com o tal bom vinho português à frente, falámos de fado, passado, futebol, música, religião, política. Lá bebemos o bom tinto. No final do repasto, fui acompanhá-lo ao seu hotel, na avenida da Boavista. E aconteceu uma cena que recordarei para sempre. Depois de nos despedirmos, Penderecki voltou-me naturalmente as costas, para entrar, mas antes de transpor a porta giratória deteve-se, voltou atrás e disse-me: Deixa de fumar!
Foi nessa noite de 27 de Novembro de 2002 que ele me deu este precioso “autógrafo musical”, traçado no programa original do Festival Gulbenkian de Música de 1970. Com o autógrafo deixou também um pouco da sua Paixão Segundo S. Lucas.