No passado dia 6 de outubro morreu, com 84 anos, Montserrat Caballé, uma cantora absolutamente extraordinária, responsável (após Callas e numa época em que também reinaram Beverly Sills ou Joan Sutherland) pela ressurreição de um imenso repertório belcantista italiano romântico anterior a Verdi. A sua vocalidade única, onde sobressaíam uma assombrosa capacidade respiratória, um tremendo poder e uma lendária emissão de incorpóreos e luminosos pianissimi, fizeram-na intérprete privilegiada de Normas, Imogenes, Agneses, Gemmas, Lucrezias, Stuardas, Elizabettas, de Rossini, Belllini ou Donizetti. A este imenso e quase inexplorado repertório de soprano drammatico d’agiltà, que por si só poderia constituir uma carreira, uniu o repertório habitual de todos os outros sopranos líricos, líricos spinto e dramáticos. Foi, assim, tradutora de Mozart, Verdi, Puccini, veristas, românticos franceses, Wagner, Strauss.
Estreou-se no São Carlos em 22 de janeiro de 1960 cantando a Donna Elvira na ópera Don Giovanni de Mozart e regressou em janeiro e fevereiro do ano seguinte como Naiade da ópera Ariadne auf Naxos de Richard Strauss e como titular da ópera Iphigénie en Tauride de Gluck. Não era, por esta época, e apesar das inigualáveis qualidades demonstradas (como atestam gravações existentes), uma estrela mundial, longe disso!
Caballé teve uma carreira sui generis: nascida em 12 de abril de 1933 em Barcelona, durante alguns anos esteve quase anonimamente na Ópera de Basel, onde se estreou em 1956 como Mímì em La bohème. Depois esteve na Ópera de Bremen de 1959 a 1962, um período igualmente quase sem história. Lisboa foi um dos palcos onde obteve mais projeção nesta primeira fase da sua carreira.
Substituiu então Marilyn Horne em 1965 no Carnegie Hall numa récita da ópera Lucrezia Borgia de Donizetti em versão de concerto. Naquela noite nasceu uma estrela. Caballé obteve uma ovação de quase meia hora de duração! Depois, foi a conquista de todos os palcos, ao lado dos maiores cantores, dirigida pelos mais destacados encenadores e sob a batuta dos mais conceituados maestros.
Regressou a São Carlos em março de 1972, já divissima, para interpretar aquele que foi um dos seus grandes cavalos de batalha: a Norma de Bellini. Regressou em outubro de 1984 para um Recital.
Em 1987, na fase final da carreira lírica, tornou-se planetariamente conhecida quando irrompeu vulcanicamente ao lado de Freddie Mercury cantando “Barcelona”, que se tornaria o hino oficial dos Jogos Olímpicos de 1992.
Oferece-se o final da Norma, tal como a cantou em São Carlos, a 19 de março de 1972: