Por cá passaram e de cá escreveram

Por cá passaram e de cá escreveram

O conturbado período que se viveu entre os finais do séculos XVIII e os primeiros decénios do seguinte afectou toda a Humanidade e obviamente não poderia deixar de assolar Portugal. Foi um período de grandes e significativas deslocações em toda a Europa: onde já se vira uma corte inteira a atravessar oceanos, ou generais portugueses a combater na Rússia (tal como Gomes Freire de Andrade), ou navios russos à entrada do Tejo, ou franceses em Lisboa, ou ingleses na mesma? Viajou-se muito e é natural, portanto, que muita gente tenha vindo a Portugal e tenha deixado alguns textos sobre o país — de que o soberano esteve ausente de 1808 a 1820.

O mais ilustre visitante neste período foi sem dúvida Lord Byron, o grande poeta romântico. É bom não esquecer que Rossini lhe dedicou uma obra — a cantata Il Pianto delle Muse in Morte di Lord Byron, apresentada em Londres a 9 de Junho de 1924 — em que o próprio Rossini cantou a parte de Apollo! Lord Byron esteve por cá em 1809, pouco depois de a Família Real ter zarpado para o Brasil. Publicou os versos que se seguem em 1812, sete anos, portanto, antes da estreia de La gazza ladra em São Carlos. Pertencem ao Canto I de um dos seus mais célebres poemas: “Childe Harold’s Pilgrimage”, de que se dá um excerto, em tradução de Jorge de Sena:


XIV

Singra o navio, não se vê mais terra,

E na Biscaia o vento nos castiga.

Passado o quinto dia desta guerra,

O fim se vê chegar de tal fadiga:

De Sintra a serra nos acena amiga

E o Tejo avança para o fundo oceano,

Áureo tributo paga, é lenda antiga.

Sobe o piloto a bordo, lusitano,

E entre as ridentes margens nos conduz sem dano.

XV

Ó Deus, que maravilha isto é de ver!

Que Céu criou país tão delicioso?

Que perfumados frutos! Que prazer

Por esses montes se promete ansioso!

(…)


XVI

À beira de água, quão se mostra linda,

Flutuando reflectida, esta Lisboa,

Co’a areia em poetas ouro que não finda…

Mas onde naves mil a altiva proa

Outrora erguiam, só de Albion ecoa

A força que os socorre: este país

De orgulho e de ignorância se empavoa

E lambe e odeia a mão que veio e quis

Salvá-lo dos furores do império de Paris.


A partir daqui o enorme talento poético casa-se com o disparate mais magnífico, quando Byron começa a chamar-nos “escravos vis nascendo em tal paisagem!” ou disparates como “o luso escravo, o mais vil de entre os vis.” Ou ainda esta “pérola”:


XVII

Mas quem penetra após nesta cidade,

Que ao longe é vista como que celeste,

Abaixo e acima, dentro da beldade,

Vagueará sem ver nada que preste,

Pois que tudo se cobre de uma veste,

Palácios e cabanas, habitantes,

De porcaria sórdida. Que o ateste

O serem classe ou condições constantes

Em sujidade igual de reles mendicantes.


Parvoíce assim, só com a bílis inflamada se pode perceber! É necessária pesquisa histórica! Lendo o livro O Cozinheiro de El-rei, do Chefe Helder, recheado com receitas do tempo de D. João VI, poderemos aperceber-nos dos atentados ao fígado a que o enorme poeta poderá ter estado sujeito em Portugal.

Mas não foi apenas Byron que se interessou ou visitou o nosso país nesta época conturbada. Os anos decorridos entre 1790 e 1820 foram férteis em relatos e memórias de viagens e estadas de estrangeiros. Entre os que por cá vaguearam e sobre cá escreveram poderão recordar-se: Southey (poeta laureado), em 1806; a Duquesa de Abrantes, Laure Junot, mulher do general invasor francês (Mémoires de Madame la Duchesse d’Abrantes. Souvenirs historiques); Henry Levêque (Portuguese Costumes [ … ] with a Description of the Manners and Usages of the Country), em 1814; William Morgan Kinsey (Portugal illustrated) em 1829; o tesoureiro-militar R. B. Fischer (Sketches of Portugal Life and Manners, Costume and Character) publicados em 1826; o célebre Beckford (falando dos anos 1787-1788); C. L Ruders, pastor sueco, por cá estabelecido entre 1798 e 1802; o cardeal Bartolomeo Pacca, que fala da nunciatura de 1795 até 1802; o suíço Adrian Balbi, geógrafo (Essai Statistique sur le Royaume de Portugal et d’Algarve) publicado em Paris em 1822; entre outros. Em 1827 (pouco depois da morte do soberano) publicou-se fora de Portugal uma história anónima do seu reinado: Histoire de Jean VL roi de Portugal, depuis sa naissance jusqua sa mort, en 1826 avec des particularités sur sa vie privée et sur les principales circonstances de son regne.


 

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