Conversa com Michele Gamba

Conversa com Michele Gamba

La Traviata foi a primeira ópera que dirigi, aos 23 anos, quando ainda era assistente em Hamburgo. Foi a primeira em que preparei os ensaios e os conjuntos com orquestra. É uma ópera à qual estou evidentemente muito ligado, uma ópera que ouvi desde criança, em muitas gravações.


A PRIMEIRA ÓPERA QUE DIRIGI


La Traviata (como, naturalmente, outros títulos verdianos) conhece-se de memória, faz parte do A.D.N. do povo italiano e, seguramente, do dos povos latinos — logo, aqui também em Portugal.


ABORDAGEM DE CÂMARA

É sempre bom termos uma abordagem camerística quando falamos de uma partitura como a de La Traviata. É importante que o diálogo e a comunicação entre palco e maestro sejam de confiança e baseados no desejo de fazer música em conjunto — seja em La Traviata, seja numa ópera monumental, seja num quarteto de Brahms. É sempre importante procurar fazer as coisas em conjunto, pois só assim poderemos obter resultados convincentes. Se nos limitarmos a centrarmo-nos no maestro, ou no soprano, algo não funcionará bem e teremos um exercício complicado para resolver – porque, ou o maestro é um mero acompanhante (e não respeita a partitura), ou tudo se torna um monopólio do maestro e do aspeto sinfónico. Em ambos os casos a ópera sai prejudicada.

É sempre importante termos uma visão de câmara, global: seja em La Traviata, em Tristão e Isolda, nas Vésperas Sicilianas ou mesmo em Elektra. É sempre importante partirmos de uma abordagem camerística, de grupo.


O ESTUDO DO “LIED”

Estou convencido de que o estudo do repertório de lied ajuda-nos a tomar o texto em atenção. É fundamental! Um dos nossos principais problemas, como italianos, é que tomamos a língua como algo de seguro e usual e, assim, perdemos muito da própria sonoridade das palavras. As palavras são tão óbvias para nós que já nem fazemos caso delas. O estudo do lied obriga a uma estreita ligação entre música e texto e isso ajuda. Por isso, estou convencido de que a abordagem ao universo do lied seja a mesma da da ópera. No texto, evidentemente. O texto tem a mesma importância.


NÃO HÁ CAMPEONATO DO MUNDO!!!

A Itália não está no Mundial; por isso, não se deve ver o Mundial e, em vez disso, deve vir-se à ópera, onde há um maestro italiano a dirigir La Traviata!


LA TRAVIATA FALA DE NÓS

La Traviata, como em geral toda a ópera do século XIX, fala de nós, das nossas raízes culturais e dos nossos sentimentos – não necessariamente apenas dos da história de Violetta e Alfredo e de um amor impossível. Ela fala de nós, jovens, e de todo um aspeto subjacente à história de Traviata. Temos dois jovens (Violetta e Alfredo) que se vêm impedidos pelo pai dele de viver um amor livre, genuíno e sincero. Aqui temos uma mulher que conhece muitas facetas, algumas delas bem obscuras, da sociedade e da vida mundana. Não concebo de outra maneira: em La Traviata vemo-nos a nós próprios e a como reagimos à vida, às nossas frustrações, ânsias e temores. Não é necessário pensar La Traviata como algo de antigo ou ultrapassado. As sensações e os sentimentos que Humanidade do século XIX sentia são os mesmos eu sentimos dos dias de hoje e das nossas vidas.

 


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