Não será necessário apresentar Victoria de los Angeles, uma das mais luminosas vocalidades que soaram em São Carlos e no planeta. A ela regressaremos neste blogue, obviamente, mas trago-a aqui hoje para dar a conhecer uma sua curiosa opinião manifestada a Jaume Comellas e publicada no livro deste último “Victoria de los Ángeles – Memorias de Viva Voz”, publicado pelas Ediciones Península – Barcelona, em 2005, o ano da morte da cantora.
Dizia ela:
Muitos foram transformados em divos sem o desejarem. Colaram-lhes essa etiqueta e eles, mesmo que o não tivesse querido, reagiram dizendo: “Já que assim é, deixa estar!”
Para mim, a figura de diva ou de divo é algo de terrível. Quando estávamos a ensaiar o Der Freischütz no Scala, um dos diretores de cena disse-me no final do último ato: Agora, a diva deve descer. A diva! Zanguei-me a sério: Prego, Signore, non mi chiamar piú diva. Aquilo incomodou-me. É algo que não me cai bem, embora saiba que nos dias de hoje muita gente se considera diva. Porém, se utilizarmos o termo no bom sentido e não no pejorativo, e qualificarmos com ele alguém importante, é claro que Schwarzkopf e Fischer-Dieskau eram divos. Assim como Tebaldi era diva e Callas diva era. E Del Monaco. E mesmo Di stefano.
O divo não deve ser mal-educado, insolente, insuportável, despótico, ou pretensioso. Alguns, porém, pecam por isso. Para além disso, há muita gente do público que fica encantada com as excentricidades e a má-educação dos divos. Que vemos nos nossos dias? Os que provocam escândalos são sempre os mais aclamados nas revistas. Quem tem uma vida normal, nunca é publicitado em parte alguma.
Se eu tivesse sido diva, me tivesse comportado como tal e tivesse andado com plumas e fazendo cenas, as pessoas diriam: O Victoria, ma questa signora… . Mas não, sempre me disseram: Questa gentile Victoria, la dolce Victoria… . Porque eu não acredito nisso de ser divo.
A palavra divo deveria ser erradicada.