Paulo Santiago faria hoje 60 anos!

Chopin considerava, segundo o seu aluno Karasowwski, que a melhor maneira de conseguir a naturalidade de execução era ir ouvir com frequência os grandes cantores italianos. Para além disso, propunha sempre aos pianistas o estilo amplo e simples, bem como a liberdade, daqueles intérpretes. Recordo este amor de Chopin pelo canto porque se alguém houve que amasse simultaneamente a música de Chopin e os grandes cantores, esse alguém chamou-se Paulo Santiago. Hoje, dia 10 de Março de 2018, ele tornar-se-ia um sexagenário, não o tivesse a morte colhido com apenas 34 anos, em Julho de 1992.

Paulo Santiago teve uma verdadeira paixão pela música e pela ópera e era um ás em Matemática, o que não é de estranhar num músico. Estudou com Maria Cristina Pimentel, Tania Achot, Sequeira Costa e Leon Fleischer, entre outros. Leccionou na Universidade do Kansas e no Conservatório de Lisboa. Apresentou-se como pianista em todo o mundo. Há registos surpreendentes de actuações suas em Berlim e no Carnegie Hall de Nova-Iorque.

Prelúdio em Mi menor, op. 28 nº 4 de Chopin — Paulo Santiago, ao vivo no Carnegie Hall de Nova-Iorque

Nunca esquecerei, durante o Lohengrin aqui cantado em Junho de 1990, o momento em que se começou a ouvir a música do órgão, imponente, juntando a sua voz à massa sonora monumental do final do II Acto. O coro, que eu integrava, aí tem de cantar a plenos pulmões, saudando Lohengrin e Elsa e a Felicidade e o Amor e a Fidelidade e essas coisas todas tão brancas. Era o Paulo Santiago a tocar. Recordo-me tão nitidamente de, em palco, ter pensado: É o Paulo! Recordo-me também de o ter visto ficar petrificado na plateia de São Carlos durante o ensaio geral de Il Trovatore de 1981, a que eu e ele assistíamos — Fiorenza Cossotto irrompeu depois da sua electrizante grande cena para ver o marido Ivo Vinco no Quadro do Convento e sentou-se numa coxia contígua à do Paulo. Cossotto era também uma das paixões do Paulo (na foto, podemos vê-lo à frente do Met de Nova-Iorque ao lado de um cartaz que anuncia uma récita de Il Trovatore com a cantora).

Recordo-o aqui porque o Paulo Santiago foi um grande pianista, um grande amante de Chopin, Bach, Beethoven, das vozes de Schwarzkopf, Troyanos, Callas e Amália, dos romances de Victor Hugo… e porque o Teatro Nacional de São Carlos foi um dos auditórios portugueses que mais visitou e amou, um local onde, para além de se ter apresentado como intérprete, ouviu centenas de récitas de ópera e concertos que ajudaram a construir a sua personalidade artística. Quem vir o filme Noites Brancas, com Baryshnikov, com cenas filmadas em São Carlos, poderá ouvir Paulo Santiago, no nosso Salão Nobre, tocar uma valsa de Chopin, pois foi ele o pianista escolhido para abrilhantar uma festa que decorre no filme nesse local.

Paulo Santiago soube, na sua curta vida, granjear o enorme respeito, a profunda admiração e a grande amizade de muitos dos seus colegas e alunos. O adjectivo sexagenário colado ao seu nome é uma perplexidade cósmica.

Paulo Santiago

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