Entrevista a Ana Quintans

Ana Quintans, a Ilia da nossa produção de Idomeneo, re di Creta, falou – entre outras coisas — das suas experiências mozarteanas e da sua relação com o Teatro Nacional de São Carlos.



EXPERIÊNCIAS MOZARTEANAS EXALTANTES

Não tenho muitas experiências mozarteanas, porque faço essencialmente música barroca. A primeira foi aqui, há cerca de dez anos, quando participei numa Flauta Mágica para crianças — cantei a 1ª Dama, o 1º Rapaz e a Papagena. Isso correspondeu mais ao menos à fase inicial da minha carreira. Após isso, o único Mozart que fiz por algum tempo foi em concerto — Missas e repertório sacro.

Ópera, depois, só mesmo em 2016, quando cantei a Ilia na Ópera da Flandres. O meu agente é que me fez dar esse passo. Creio que o convite surgiu em 2014 e eu nessa altura achei que cantar a Ilia como primeiro papel mozartiano seria um pouco desajustado e que deveria experimentar outros antes — sou muito cuidadosa a escolher o repertório e não gosto muito de saltar fora daquilo que eu julgo que posso servir mais ou menos bem. Aceitei, porque era muito tentador. Lembro-me de estar em 2015 nos ensaios de um Orfeu e Euridíce com Camilla Tilling, que cantou muitas vezes a Ilia, e de lhe contar os meus receios. Ela disse-me para eu não ter medo do papel e para não me preocupar — estávamos a cantar juntas e ela conhecia, portanto, a minha voz! Disse-me que eu não deveria definir o papel pela primeira ária e para ter sempre em mente, mesmo nessa primeira ária, que Ilia é o mesmo personagem que depois cantará Zeffiretti lusinghieri. Como ela estava a ser absolutamente sincera, fiquei bastante mais aliviada.



MOZART — O QUE ASSUSTA E O QUE APAIXONA

A música de Mozart assusta-me, pois não é a que estou mais habituada a cantar. Por um lado, obriga-me a ter um pensamento um pouco mais racional em relação à técnica. É algo que na música barroca eu já consigo — analiso tecnicamente o papel, as funções do acompanhamento, o que fazer em termos expressivos e de fraseado, e quando chego ao palco já consigo ter o distanciamento necessário para estar dentro do personagem e pensar só na música. O que está a custar-me mais em Mozart é que esse processo é um pouco mais lento; não encontrei ainda essa liberdade que me permite, se for necessário, poder pensar friamente numa determinada frase que é preciso de lançar com uma respiração mais consistente ou numa à qual eu queira dar uma direcção não tão evidente.

Na generalidade da música barroca existe também uma flexibilidade maior em relação à forma como se pode dirigir e seguir um cantor. Nesse aspecto, Mozart é mais complicado e eu preciso de mais tempo (é verdade que para mim são sempre poucos os ensaios com orquestra — senti-o quando cantei o Idomeneo pela primeira vez e também o senti com a Despina).

O que é bom é que é uma música maravilhosa e com uma grande simplicidade, o que torna mais difícil torná-la interessante. Tudo faz imenso sentido. Adoro trabalhar os recitativos e adoro os recitativos acompanhados. Já no Così fan tutte o senti, embora aí sejam recitativos secos. Na Despina trabalhei muito mais os recitativos do que me preocupei com as árias, mas aí a linguagem é outra. Já cantei muito recitativos acompanhados em Gluck e acho que eles dão um ímpeto incrível ao discurso e criam possibilidades que o baixo-contínuo não tem.

De Mozart, já fiz a Despina; adorei e gostaria de a repetir. Gostaria de continuar a fazer a Ilia e gostaria de cantar a Susanna e a Pamina.

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