La Damnation de Faust em São Carlos — à vol d’oiseau

A Orquestra Sinfónica Portuguesa e o Coro do T.N.S.C. vão apresentar-se no C.C.B. como intérpretes de La Damnation de Faust sob a direção do maestro Frédéric Chaslin. Recordemos as suas apresentações no nosso teatro (ver MIL E UMA E MAIS NOITES).

Esta obra de Hector Berlioz, para 4 vozes solistas, grande coro, coro infantil e orquestra, é uma das muitíssimas partituras baseadas e inspiradas no Fausto de Goethe. Foi estreada na Opéra Comique de Paris a 6 de Dezembro de 1846. Embora por vezes encenada (São Carlos nunca a viu nessa qualidade), tornou-se fundamentalmente uma peça de concerto — o próprio Berlioz não se entusiasmou quando a viu teatralizada, tendo-a classificado como “légende dramatique” (“lenda dramática”).

Chegou ao nosso teatro a 18 de Março de 1903, 57 anos depois da estreia.

Nesse ano, o Mefistófeles foi um dos grandes barítonos italianos — Riccardo Stracciari (1875-1955). Nasceu, estudou e estreou-se em Bolonha, em 1904 atingiu o Scala e depois conquistou o mundo: Covent Garden; Met; Opéra; Colón; Teatro Real; etc. Cantou o Figaro rossiniano cerca de 1000 vezes e foi um Rigoletto famoso. Depois de deixar os palcos Stracciari dedicou-se ao ensino e foi professor de Rafaele Arié e de Boris Christoff, entre outros. Maestro nessa estreia lisboeta de 1903 foi Cleofonte Campanini (1860-1919), que estreou o Otello de Verdi em NY dirigindo a mulher Eva Tetrazzini (a “fadista”! — ver artigo: “As fadistas Eva Tetrazzini e Amália Rodrigues”). Campanini dirigiu no TNSC entre 1888 e 1903 e aqui estreou as óperas Mario Wetter de Augusto Machado (1898) e Serrana de Keil (1899). Depois foi para o Scala dirigir a estreia mundial de Madama Butterfly em 1904. A partir de 1910 estabeleceu-se em Chicago até à morte.

La Damnation de Faust regressou a São Carlos em 1907. A 8 de Março desse ano — uma Grande Gala — assistiu Frederico Augusto III da Saxónia (1865-1932), rei de 1904 até abdicação em 1918 devido às convulsões causadas pela I Grande Guerra. Era o filho mais velho do rei Jorge e da sua esposa portuguesa — a Princesa Maria Ana de Portugal, ou Maria Ana de Bragança, de seu nome completo Maria Ana Fernanda Leopoldina Micaela Rafaela Gabriela Carlota Antónia Júlia Vitória Praxedes Francisca de Assis Gonzaga de Saxe-Coburgo-Gotha e Bragança (Lisboa, 1843 — Dresden, 1884).

Em 1907 e em 1909 a obra de Berlioz foi dirigida em Lisboa por Luigi Mancinelli, que triunfou aqui, em Bologna, Roma, Madrid, Londres, New York, Buenos Aires. Foi particularmente conotado com a obra wagneriana e com as produções de Verdi e Puccini. Mancinelli foi um dos mais famosos maestros do Met de NY e escreveu óperas, música orquestral e partituras para cinema. Em 1909 o papel de Mefistófeles foi cantado por outro grande barítono italiano: Giuseppe de Luca (1876-1950), que nasceu num Dia de Natal. Estreou-se em ópera francesa (num Fausto, também, mas de Gounod!) e depois conquistou o Scala e o Covent Garden, até atingir o Met de NY, onde seria estrela por 20 temporadas. Criou mundialmente o Sharpless de Madama Butterfly (Scala, 1904), o Gianni Schicchi (Met, 1918) e ainda o Michonnet de Adriana Lecouvreur e o Sancho no Don Quichotte de Massenet (ao lado de Chaliapin).

Passaria meio século até São Carlos acolher de novo La Damnation de Faust. Fê-lo em 1959, num concerto que se integrava na Temporada de Concertos da EN. Nessa ocasião o nosso teatro apresentou um elenco francês de luxo: Régine Crespin (uma das vozes ideias para a ária D’amour l’ardente flamme), Guy Chauvet (que poderíamos ouvir no nosso palco ainda em 1975 no Sanson et Dalila) e Michel Roux no Mefistófeles. O maestro era Jean Fournet.

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