Vianna da Motta, um amante de Ópera

O pianista Vianna da Motta nasceu no dia 22 de abril de 1876, tendo-se cumprido há poucos dias 150 anos sobre essa data. Seria, obviamente, ocioso sublinhar aqui a importância deste pianista, maestro, professor e compositor para o nosso país, a vários níveis: a tremenda elevação, exigência e seriedade do seu ensino; a brilhante carreira internacional; a suprema qualidade de alguns dos intérpretes com quem trabalhou; etc.; etc. Ele foi recordado no passado dia 23 no Salão Nobre de São Carlos aquando da apresentação ao público da Coleção de Partituras do Património Lírico Português. Esta coleção, publicada sob a direção científica de João Paulo Santos, é estruturada em três séries (Canções; Cantatas; Árias e Conjuntos de Ópera e de Opereta) e tem dois dos seus primeiros quatro volumes dedicados a Vianna da Motta — um destaque especial que se justifica plena e precisamente pela data “redonda” que se comemora. João Paulo Santos informou na ocasião que nesta coleção seria editada toda a obra para voz do compositor, incluindo a produção coral.

O que interessa aqui sublinhar é que foi uma cantora de ópera — Elisa Hensler, quando era já casada morganaticamente com D. Fernando II — que, ouvindo Vianna da Motta ainda criança, lhe possibilitou a ajuda e o apoio necessários para que fosse para a Alemanha. Neste país, como se sabe, ele viria a estudar com Liszt, Hans von Bülow e ainda com alguns outros discípulos do grande pianista húngaro.

Vianna da Motta gostava de ópera e os seus gostos neste aspeto não podiam deixar de alinhar com os da sua época. Assim, quando surgiu o verismo, corrente “moderníssima” na viragem dos séculos XIX para XX, ele, como todo o mundo, aderiu entusiasticamente à novidade. Ele assistiu em Junho de 1891 a uma récita da então novíssima ópera Cavalleria Rusticana de Mascagni, que se estreara mundialmente no teatro Costanzi em Roma a 17 de maio de 1890 e que só viria a estrear-se em São Carlos a 12 de outubro desse mesmo ano. O melhor será dar a palavra ao próprio Vianna da Motta. Eis o que ele deixou escrito nos seus Diários. Entrada de Sábado, 13 de Junho de 1891.

 

Cavalleria Rusticana de Pietro Mascagni no Lessing-Theater. Desde o primeiro compasso que fiquei com aquela sensação certa: isto é algo de importante. Na realidade, é grande, forte, saudável e completamente novo. Totalmente emocional à italiana, mas não rossiniana nem Verdiana, também não wagneriana – mas precisamente uma individualidade independente. A forma é muito livre, só aqui e acolá é que há finais completos e repetição de texto. Não existe separação entre recitativo e ária e os chamados recitativos são muito expressivos, também orquestralmente é de grande importância. Algumas coisas dão a impressão de superficialidade, especialmente a instrumentação parece muitas vezes um esboço; que ele tenha criado tanta coisa bonita numa obra trabalhada tão depressa, ainda mais conta a favor do seu génio. A abertura com a encantadora serenata teve um ambiente maravilhoso. De imediato sopra aquele ar fresco matinal que refresca as têmporas tão consoladoramente e com o qual se exclama: aqui é saudável.

(…)

Finalmente, começou uma nova época na ópera, finalmente, apareceu algo de novo, original, livre de imitação. Finalmente, a descoberta de novas terras, finalmente, uma nova constelação — finalmente, o sucessor de Wagner.

José Vianna da Motta

Deixe uma resposta

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *