Nos teatros de ópera, tal como em tudo na vida, a anos mais pomposos sucedem-se outros mais modestos. Um dos mais gloriosos anos da história do Teatro de São Carlos foi sem dúvida o de 1906 – ano em que nasceram Dmitri Shostakovich, Agostinho da Silva e Humberto Delgado.
COMPOSITORES
Atente-se e pasme-se. Nesse ano apresentaram-se no nosso teatro:
– Béla Bartók (como pianista … acompanhador);
– Ruggero Leoncavallo (como maestro);
– Umberto Giordano (como maestro);
– Camille Saint-Saens (como pianista);
– Lorenzo Perosi (como maestro).
As visitas de Bartók, Leoncavallo e Mascagni a São Carlos já foram sublinhadas no nosso blogue, mas tem também de se salientar veementemente a de Camille Saint-Saëns (1835-1921), francês, que em 1906 se apresentou pela segunda e última vez no teatro como pianista – a primeira tinha sido quinze anos antes. Saint-Saens escreveu uma dúzia de óperas, mas é sobretudo o título Sansão e Dalila (1877) que lhe conferiu a imortalidade neste domínio. Foi ele o primeiro compositor renomado a escrever música especificamente para um filme (L’Assassinat du duc de Guise). Festejado intérprete de piano desde os 11 anos de idade, Sait-Säens manteve-se como grande concertista durante toda a sua vida. Como organista suscitou a admiração de Berlioz e de Liszt, que o iam ouvir tocar na Igreja da Madeleine. Saint-Säens tinha 71 anos em 1906 – o ano em que, para além de vir a São Carlos, efectuou a primeira digressão pelos Estados Unidos da América.
Fale-se ainda de Lorenzo Perosi, ou melhor, de Monsignor Lorenzo Perosi (1872 –1956), compositor italiano de música sacra. Foi Maestro di Capella da Basílica de São Marcos em Veneza, Maestro Perpétuo da Capela Sistina e Director Perpétuo do Coro da Capela Sistina. Foi admirado por Romain Rolland, Boito, Toscanini, Debussy, Massenet, d’Indy. Caruso e Gigli cantavam obras de sua autoria e, mais próximo da nossa época, Fiorenza Cossotto ou Mirella Freni também o fizeram regularmente. É-nos difícil hoje, numa época que o seu nome empalideceu, termos noção da popularidade da obra de “Don Lorenzo Perosi” nos finais do século XIX e nas primeiras décadas do século passado. No ano de 1906 esteve em São Carlos para dirigir várias obras de sua autoria.
INSTRUMENTISTAS
Neste prodigioso ano apresentaram-se também no nosso teatro nomes incontornáveis da interpretação instrumental, tais como os do pianista polaco Ignaz Paderewski, do violinista belga Eugène Ysaye e do pianista francês Raoul Pugno.
Ignacy Jan Paderewski (1860 –1941), um dos pianistas mais renomados da sua época e da história, debutou em Viena em 1887, obteve enormes sucessos em Paris dois anos mais tarde e repetiu o êxito em Londres em 1890. A loucura “paderewskiana” instalou-se infrene, porém, sobretudo nos E.U.A.. Paderewski foi também político, tendo exercido as funções de Primeiro Ministro e de Ministro dos Negócios Estrangeiros da sua Polónia natal. Em 1940, depois da invasão nazi, tornou-se dirigente do Conselho Nacional Polaco, o Parlamento nacional no exílio.
Eugène Ysaÿe (1858 –1931), violinista, compositor e maestro, foi protegido por Vieuxtemps e depois estudou com o dilecto aluno deste mestre – Henryk Wieniawski. Foi famosíssimo e admiradíssimo, não apenas pelo grande público, mas sobretudo por personalidades como Joachim, Liszt, Clara Schumann ou Anton Rubinstein. Compositores como Debussy, Saint-Saens, Franck, Chausson, dedicaram-lhe obras. Foi também um professor notável. Fez digressões por toda a Europa, Rússia e E.U.A. e apresentou-se em 1906 no Teatro de São Carlos na companhia de Raoul Pugno.
Stéphane Raoul Pugno (1852 –1914 ) compositor, professor, organista e pianista, foi um dos primeiros executantes renomados de piano a efectuar gravações – temos registos seus de 1903 com obras de Handel e de Domenico Scarlatti. Morreu em Moscovo em 1914, no decorrer de uma digressão. Manteve desde 1896 uma famosa parceria artística com Eugène Ysaye. Este duo, que se apresentou nas mais importantes capitais, estreou mundialmente as sonatas para violino e piano de Albéric Magnard e de Louis Vierne.
CANTORES (SÓ ALGUNS)
Quanto a cantores, o ano de 1906 também foi radioso. A par de Angelica Pandolfini, Virginia Guerrini, Giuseppe Kaschmann (que até personificou Jesus Cristo!), de quem haveremos de falar, apresentaram-se dois astros de primeiríssima grandeza mundial – o tenor Francisco Viñas e o soprano Salomea Kruscenitzki.
Solomiya Krushelnytska (1872 —1952), tal como foi baptizada, Salomea Krusceniski como ficou conhecida, uma das mais incandescentes estrelas operáticas das primeiras décadas do século XX, foi aluna de Fausta Crespi em Milão a partir de 1893. Os primeiros estudos efectuou-os na Ucrânia natal. A sua carreira iniciou-se no centro e leste da Europa e prosseguiu nas mais importantes capitais, europeias e não só: Paris (1902), Nápoles (1903–4), Cairo e Alexandria (1904), Roma (1904–5). Um pouco mais tarde foi à Argentina e ao Brasil. Foi ela quem em 1904 fez reviver triunfalmente em Brescia a Madama Butterfly de Puccini que fora muito mal recebida na estreia mundial em Milão. Em 1906 Salomea Krusceniski fez sensação cantando a Salomé de Richard Strauss no Scala sob a direcção de Arturo Toscanini. Foi o ano em que se estreou em São Carlos obtendo um enorme triunfo. Regressou em temporadas posteriores, mas ficou nos anais do teatro a forma como interpretou o “Suicidio” da Gioonda neste ano da sua estreia em Portugal. Em 1920, no auge da carreira, casou e abandonou os palcos de ópera, mantendo a actividade apenas como concertista.
Francesc Viñas i Dordal (1863 –1933), tenor catalão, dá o nome a um importante concurso de canto. Foi considerado um dos grandes intérpretes wagnerianos do seu tempo e incorreu na fúria de Cosima ao cantar na primeira produção de Parsifal fora de Bayreuth – a viúva de Wagner metera-se-lhe na cabeça que poderia proibir o mundo de ouvir esta ópera a menos que o fizesse na cidadezinha bávara! Viñas estreou-se em 1888 precisamente com um papel wagneriano – o de Lohengrin, aquele que lhe abriria as portas do Scala de Milão em 1891. Viñas apresentou-se variadíssimas vezes em São Carlos, mas o ano de 1906 foi particularmente recheado de visitas suas.
Eis então, à vol d’oiseau, o que foi este ano de 1906 em São Carlos. Fiquemos apenas com um rol de datas e de títulos. Todos as restantes informações (programas, elencos, etc.) na Categoria MIL E UMA E MAIS NOITES.
01 JAN – Francisco Viñas (Lohengrin)
02 JAN – Francisco Viñas (Tannhäuser)
04 JAN – Francisco Viñas (Tannhäuser)
07 JAN – Francisco Viñas (Tannhäuser)
09 JAN – Francisco Viñas (Aida)
10 JAN – Francisco Viñas (Tannhäuser)
12 JAN – Francisco Viñas (Tannhäuser)
14 JAN – Francisco Viñas (Aida)
05 FEV – Francisco Viñas (Aida)
10 FEV – Francisco Viñas (Lohengrin)
11 FEV – Francisco Viñas (Aida)
21 FEV – Francisco Viñas (Tosca)
24 FEV – Salomea Krusceniski + Francisco Viñas (Aida)
25 FEV – Francisco Viñas (Tosca)
01 MAR – Francisco Viñas (Aida)
03 MAR – Francisco Viñas (Tannhäuser)
06 MAR – Salomea Krusceniski + Francisco Viñas (La Gioconda)
08 MAR – Salomea Krusceniski + Francisco Viñas (La Gioconda)
09 MAR – Francisco Viñas (Tannhäuser)
11 MAR – Salomea Krusceniski + Francisco Viñas (La Gioconda)
13 MAR – Salomea Krusceniski + Francisco Viñas (La Gioconda)
15 MAR – Salomea Krusceniski + Francisco Viñas (L’Africaine)
17 MAR – Salomea Krusceniski + Francisco Viñas (L’Africaine)
18 MAR – Salomea Krusceniski (Adriana Lecouvreur)
19 MAR – Francisco Viñas (Tannhäuser)
20 MAR – Salomea Krusceniski + Francisco Viñas (La Gioconda)
22 MAR – Salomea Krusceniski (Adriana Lecouvreur)
24 MAR – Ruggero Leoncavallo + Francisco Viñas (Pagliacci)
25 MAR – Ruggero Leoncavallo + Francisco Viñas (Pagliacci)
27 MAR – Lorenzo Perosi (Mosè)
28 MAR – Lorenzo Perosi (Mosè)
30 MAR – Béla Bartok (Concerto)
31 MAR – Francisco Viñas (Carmen)
01 ABR– Francisco Viñas (Carmen)
04 ABR – Lorenzo Perosi (Mosè)
05 ABR – Béla Bàrtok (Concerto)
06 ABR – Lorenzo Perosi (La Rissurezione di Cristo)
07 ABR – Umberto Giordano + Francisco Viñas (Fedora)
08 ABR – Umberto Giordano + Francisco Viñas (Fedora)
09 ABR – Camille Saint-Saens (Concerto)
10 ABR – Camille Saint-Saens (Concerto)
17 ABR – Ignaz Paderewski (Recital)
21 ABR – Ignaz Paderewski (Recital)
17 MAI – Eugène Ysaye + Raoul Pugno (Recital)
19 MAI – Eugène Ysaye + Raoul Pugno (Recital)
20 MAI – Eugène Ysaye + Raoul Pugno (Recital).