Dom João Carlos de Bragança e Ligne de Sousa Tavares Mascarenhas da Silva, 2º Duque de Lafões, 4º Marquês de Arronches e ainda 8º Conde de Miranda do Corvo, nasceu em Lisboa a 6 de Março de 1719 e faleceu na mesma cidade a 10 de Novembro de 1806. Filho segundo do infante D. Miguel de Bragança (filho legitimado do rei D. Pedro II), era parente próximo da família real portuguesa.
O seu nascimento, os sublinhados cargos que exerceu, uma infatigável curiosidade intelectual e ainda vicissitudes políticas várias levaram a que durante cerca de duas décadas (de 1757 a 1779) se tivesse ausentado do país e conhecido importante parte do mundo (Suiça, Itália, França, Grécia, Egipto, Trácia, Rússia, Frígia, Tessália, Mesopotâmia, Suécia, Prússia, Polónia, Dinamarca, Lapónia), aí tendo contatado (e em alguns casos travado amizade) com alguns dos mais importantes protagonistas políticos da Europa – como a Imperatriz Maria Teresa ou o Imperador José II da Áustria.
O que nos interessa sobretudo, no entanto, é que em Viena o 2º Duque de Lafões foi amigo e protetor de Gluck e de Pietro Metastasio.
Bem como do juvenilíssimo Mozart! A poucos dias de uma nova produção da ópera Alceste vamos começar precisamente por Mozart, deixando o papel de “estrela” (o final) para Gluck. Há cartas de Leopold Mozart que atestam esta ligação do Duque ao compositor. Numa delas, datada de 30 de julho de 1768, escreve: “Mandei comprar o primeiro volume das obras de Metastasio, abri o livro ao acaso e dei a Wolfgang o texto da primeira ária que apareceu. Ele pegou na pena e, sem pensar muito, e perante numerosas pessoas de qualidade, compôs com uma velocidade surpreendente a música para essa ária e um acompanhamento para numerosos instrumentos. Fez isso em casa do maestro Bonno, em casa do abade Metastasio, em casa de Hasse, em casa do conde de Braçança [sic] e em casa do Príncipe Kaunitz.” Recorde-se que Mozart tinha então 12 anos de idade. Por uma outra carta do mesmo Leopold sabemos que D. João de Bragança assistiu em pessoa, em setembro desse mesmo ano de 1768, a uma representação da ópera La finta semplice dirigida pelo próprio Mozart nos salões da residência vienense do “jovem barão van Swieten”.
Testemunha destas andanças do Duque em Viena foi também o Abade António da Costa, epistológrafo, violinista e compositor português nascido cerca de 1714 e que, exilado de Portugal durante décadas, conheceu também, em Roma e em Viena, algumas marcantes personalidades culturais do seu tempo. As suas “Cartas Curiosas Escritas de Roma e Viena”, que foram reeditadas por Fernando Lopes-Graça, são documentos importantes e referem várias vezes o 2º Duque de Lafões. Charles Burney conheceu o nosso Abade em Viena, precisamente em casa de D. João de Bragança.
Regressemos a Gluck.
O Duque era seu protetor, ou mecenas, como lhe queiramos chamar. Facto é que o compositor lhe dedicou o Prefácio da sua ópera Paride ed Elena, estreada em Viena em novembro de 1770, três anos após a estreia da versão italiana de Alceste. Tal como acontece no Prefácio desta última, Gluck explana, naquele que escreveu para Paride ed Elena, a sua visão da reforma operática que pretendia e que tentava concretizar com as suas obras.
Dom João Carlos de Bragança passou os últimos anos de vida no Palácio do Grilo (perto do convento do Beato, ladeado pela Calçada do Duque de Lafões), lendo, recebendo e convivendo com artistas, pensadores, escritores. Foi o plácido final de uma vida dedicada em grande parte às artes e às ciências.
Fora sócio fundador da Academia Real das Ciências de Lisboa e fora nomeado membro da Royal Society em Londres – distinção que acima de todas apreciava, dizendo que só a devia a si próprio. Os amantes de música e do Teatro de São Carlos não podem deixar de pensar que a dedicatória de Gluck foi também uma das mais sublinhadas distinções que o 2º Duque de Lafões recebeu! Poucos portugueses na história se podem honrar de um reconhecimento deste calibre.