Bertha nome de Elektra

Michel Schneider, em “Rêves de femmes: Elektra de Richard Strauss”, um dos capítulos do seu livro Prima Donna – Opéra et Inconscient (2001, Éditions Odile Jacob), estuda ligações entre Elektra e a psicanálise. Eis um excerto traduzido do capítulo em questão.

 

Existe uma profunda afinidade entre as descobertas da psicanálise nascente e o espírito da Viena fin de siècle. Os pacientes dos primeiros psicanalistas parecem sair de peças de teatro ou de romances contemporâneos.

Freud nunca cita Hoffmanstahl, apesar de este no seu tempo ter sido reconhecido como um poeta da alma humana. Mas Elektra está mais próxima de Anna O., paciente de Brener, cujo caso abre os Estudos sobre a Histeria (1895) que de um personagem de Eurípides. Sabemos pela sua Correspondência que Hoffmanstahl se interessou de imediato pelos Estudos e no tempo em que preparava Elektra procurava neles materiais. Ele queria que a sua heroína, à diferença da de Goethe, fosse uma espécie de histérica. Anna O. também tinha ficado traumatizada pela morte do pai e acusava a mãe por tê-lo deixado morrer. Ela manifestava a mesma patologia de angústia e os estados de quase sonambulismo ou hipnóticos de Elektra. Evidentemente, há traços de Elektra nessa Bertha Pappenheim (o verdadeiro nome de Anna O.).

Assim, no preciso momento em que nasce a psicanálise, para Strauss e Hoffmanstahl, os dois autores de Elektra, a tragédia o Homem como joguete dos deuses toma uma mesma face enigmática – a da feminilidade. Hoffmanstahl talvez pressentisse que Strauss só seria Strauss ligado às vozes femininas. Ele recordava-se de Salomé e previa que a fonte não tinha secado, que daria ainda Ariadne auf Naxos, o último acto de Der Rosenkavalier e o monólogo final de Capriccio. Ele soube partilhar com Strauss o seu fascínio pela jovem louca Elektra, perdida no seu luto impossível, empenhada no cultivo da flor refinada do seu sofrimento no pátio traseiro do palácio de Micenas.

Ópera de mulheres, em que os homens são todos mortos ou fantoches, ópera que grita pela falta do homem e celebra o homem ausente (…)

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