Eduardo Nery, a ópera … e Mozart

A morte do pintor Eduardo Nery, ocorrida a 2 de março de 2013, assombrou-me as récitas da Trilogia Popular Verdiana (Rigoletto — 1851, Il Trovatore — 1853, La Traviata — 1853) com que São Carlos festejou o bicentenário do nascimento do compositor. No decorrer dos espectáculos, cantados entre Abril e Maio, passavam-me tumultuosa e continuadamente recordações de muitas conversas que tive com o artista, a maior parte delas, naturalmente, sobre música, e sobre a ligação entre ele e a música e do modo como esta influenciava e impregnava a sua obra plástica. Os pensamentos que nos assaltam durante um espectáculo permanecem indeléveis.

Foi um período para mim marcado por aquela morte. A obra de Verdi predispõe-nos, desde logo, a reflexões sobre a finitude, mas a natural comparência às Missas e demais cerimónias relacionadas com o desaparecimento exacerbaram a negrura do período. Curiosamente, foi a viúva, a Graça, que me fez saltar desta tristeza, quando teve a ideia de reunir amigos do artista no Jardim da Estrela, cada um com uma frase ou reflexão … e um balão. Cada um de nós tinha um balão, cada balão tinha a sua cor e assim se aludia àquelas fantásticos aventuras cromáticas que Eduardo Nery nos deixou na sua faceta Op Art. Recordo que o actual Presidente da República também lançou um balão. Aquele céu cheio de cor alegrou-me.

Mexendo nos meus papeis há uns dias descobri um Rol que me foi enviado pelo pintor. Não era o Rol de Leporello de Don Giovanni, obviamente, nem nada que se parecesse, mas sim um Rol das músicas preferidas, que eu lhe pedira para realizar um programa radiofónico.

Dessa imensa lista de obras e intérpretes – Eduardo Nery adorava música! – seleccionei as que de algum modo se relacionam directamente com a ópera (e, até, com o São Carlos). Seguem ainda algumas escolhas que, embora fora do âmbito específico da ópera, se referem a vozes amadas que se salientaram nesse universo. 

 

Vincenzo Bellini: “Vien diletto, è in ciel la luna” (I Puritani)

JOAN SUTHERLAND (soprano)

 

Wolfgang Amadeus Mozart: “Non so più cosa son, cosa faccio” (Le Nozze de Figaro)

CECILIA BARTOLI (meio-soprano)

 

Richard Wagner: “Atmest du nicht mit mir die sussen Dufte?” (Lohengrin)

DIETRICH FISCHER-DIESKAU(barítono)

 

Dvorak: “Ária da Lua” (Rusalka)

SEM INDICAÇÃO DE INTÉRPRETE

 

Richard Wagner: Coro “Begluckt darf nun dich” (Tannhäuser) e Coro “Hoi-ho! Ihr Gibischsmannen” (O Crepúsculo dos Deuses)

WILHELM PITZ – CORO E ORQUESTRA E CORO DO FESTIVAL DE BAYREUTH.

 

Giacomo Puccini: “E lucevan le stelle” (Tosca)

JOSE CARRERAS (tenor)

 

Verdi: “Pietà ti prenda dil mio dolor… Su! Del Nilo al sacro lido… Numi pietà” (Aida)

KATIA RICCIARELLI (soprano)

 

Verdi: “È strano… Ah fors’è lui… Sempre libera” (La Traviata)

MARIA CALLAS (soprano) no TNSC em 1958.

      

Puccini: “Donde lieta uscì” (La Bohème).

MARIA CALLAS (soprano)

 

Wagner: “Abertura” (Tannhauser)

PIERRE BOULEZ – ORQUESTRA FILARMÓNICA DE NOVA-IORQUE

 

Henri Purcell: “The Fifth Act Suite” (The Fairy Queen)

SEM INDICAÇÃO DE INTÉRPRETE

 

Heitor Villa—Lobos:: “Aria (Cantilena) e Dança” (Bachianas Brasileiras nº 5)

LEILA GUIMARÃES (soprano)

 

Richard Strauss: “Frühling” (Quatro Últimas Canções)

ELISABETH SCHARZKOPF (soprano)        

 

Gustav Mahler: “Wenn dein Mutterlein” (Kindertotenlieder)

CHRISTA LUDWIG (meio.soprano)

 

No livro Os Quadradinhos Mágicos de Eduardo Nery – Azulejos 2000-2010 de Teresa Saporiti (Lisboa, 2013) encontro a transcrição de uma conversa minha com o pintor em que se focou a Elektra de Richard Strauss. Como São Carlos apresentou recentemente esta ópera, aqui vai:

Tenho muita dificuldade em ouvir a Salomé e a Elektra de Richard Strauss enquanto trabalho. Só em momentos muito especiais, mas mesmo muito especiais, porque ali as emoções são tão violentas e aquilo é tão forte que eu não consigo ouvir se tiver em mãos um trabalho que necessite de concentração e de uma certa serenidade. Aquela música cria-me uma certa desestabilização interior. (…) A música tem a ver, a nível de vibração, com o meu estado de espírito.

 

Como está por aí a atracar, vindo de Tróia, o rei Idomeneo, não resisto a citar um pouco mais de Eduardo Nery:

Eu não consigo escolher um compositor de que goste mais do que de outros, mas, por mais que eu faça, estou sempre a encontrar o Mozart – não no mesmo sítio, porque eu vou variando e ele já não pode. (…) Não sei, acho que é o Mozart que eu gostaria de ter conhecido ao vivo.

 

Deixe uma resposta

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *