Mário Soares em São Carlos

Mário Soares em São Carlos

Decorreu um ano sobre a morte de Mário Soares, em cujas cerimónias fúnebres no Mosteiro dos Jerónimos colaboraram os corpos artísticos do nosso Teatro. Recordemos brevemente a presença de Soares no São Carlos em duas ocasiões.

A primeira, aquando da estreia mundial da ópera Canto da Ocidental Praia de António Vitorino de Almeida, ocorrida a 10 de junho de 1975. Uma obra à qual, devido à ousada linguagem, não habitual aos ouvidos da plateia do São Carlos de então, parte do público respondeu com estrondosa pateada . Outra parte do público (como acontece em qualquer polémica teatral que se preze), respondeu com não menos ruidoso aplauso. Ao entusiasmo de uns e outros não era alheio o fervente clima político que se vivia no país. A peleja, mais do que musical, era pois política e ali tivemos nós o São Carlos, uma vez mais, transformado em campo de batalha ruidoso. Ainda por cima com transmissão radiofónica em direto, como foi o caso! Mário Soares, obviamente, alinhou com os defensores da obra e passou a noite batendo ruidosas palmas, entusiasmadíssimo.

Outra ocasião tem a ver com um espectáculo em que , embora não fisicamente, ele esteve de algum modo presente – uma récita da ópera La Bohème  de Pucini dada em Fevereiro de 1986 e que decorreu em plena campanha eleitoral para as Presidenciais. Acontece que o II Acto dessa produção era construído em dois planos, sendo que no superior havia barraquinhas de vendas. De uma delas era “proprietário” o coralista Mário Moutinho, barítono, recentemente falecido e a quem presto aqui a maior das homenagens por ter sido meu extraordinário parceiro de naipe em dezenas e dezenas de récitas em São Carlos. A “barraca” do Moutinho estava pejada de autocolantes alusivos à campanha eleitoral renhida que então decorria – eles não eram, obviamente, visíveis ao público, que apenas vislumbraria bonecos, balões, livros, brinquedos.

A banca do Moutinho era 100% soarista, pois ele não admitiu qualquer propaganda a Freitas do Amaral no seu negócio. Assim, quem por lá passasse, apenas poderia ler: Vota Soares; Soares é Fixe; Soares Presidente; etc. Eu, que cantava no coro,  estava posicionado também no plano superior.

Nunca hei-de esquecer o assalto de riso de Ileana Cotrubas, a grande cantora romena que interpretava a Mímì,  quando, obedecendo à sua marcação, teve de passar pela banca do Moutinho antes de descer ao plano inferior para se juntar a Bello, a Fardilha, e a tutti i quanti. É que, nessa campanha, havia uns autocolantes com fotografias de apoiantes de Mário Soares e acontece que um deles era e é um grande amigo de Cotrubas – estou a falar do pianista Adriano Jordão (que anos mais tarde seria inclusivamente director do São Carlos). Cotrubas ficou perplexa quando viu no meio de uma banca parisiense do século XIX  a cara do amigo que, se calhar, iria jantar com ela depois do fim do espectáculo.

Deixe uma resposta

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *