Napoleão chorava por Romeu

A ópera I Capuleti e i Montecchi de Bellini teve de se afrontar ao nascer com outros títulos já muito populares que versavam sobre a mesma história de amor. Um dos mais famosos desses títulos era a ópera Giulietta e Romeo, composta por Nicola Zingarelli — antigo professor de Bellini — e estreada em 1796 no Scala de Milão.

Acontece que Zingarelli escreveu a sua versão de Romeu e Julieta para um dos mais célebres cantores dos finais do século XVIII — o castrato Girolamo Crescentini (1762-1846) — e este Crescentini foi o primeiríssimo grande astro internacional a apresentar-se em São Carlos, onde esteve primeiramente como cantor e depois como cantor e diretor do teatro! Uma outra popularíssima ópera escrita para Crescentini, e que ele também cantou em São Carlos, foi Gli Orazi e i Curiazi, de Cimarosa, igualmente estreada mundialmente em 1796.

Depois de deixar Lisboa, Crescentini prosseguiu a sua brilhante carreira. Em Viena, poucos anos mais tarde, Napoleão Bonaparte ouviu-o cantar a ária “Ombra adorata, aspetta” do último acto da ópera de Zingarelli e apaixonou-se perdidamente por aquele canto, aquela música e aquela voz. O Imperador fez imediatamente convidar o célebre castrato para ser professor de canto da Família Imperial (quem pode, pode!) e o cantor permaneceu depois em Paris de 1806 a 1812.

Dado que Crescentini esteve na capital francesa num período em que ali muito se deve ter falado de Portugal e de Espanha, a propósito das invasões, não creio que nos seja difícil imaginarmos Napoleão tentando saber do cantor, sabendo decerto que ele passara tantas temporadas em São Carlos, informações sobre nós portugueses.

A paixão de Napoleão pela voz de Crescentini fazia com que o Imperador chorasse copiosamente ao ouvir esta ária de Romeu. Diga-se de passagem que esta ária parece ter sido composta pelo próprio Crescentini e enxertada na obra de Zingarelli.

Girolamo Crescentini não afetou apenas Napoleão e o público do São Carlos! Stendhal refere-o na sua Vie de Rossini e Schopenhauer escreveu que o ouviu na sua infância e que a recordação da voz do cantor perdurou claramente.

Crescentini era conhecido como o “Orfeo Italiano” (não sei se porque amansava a “fera” Napoleão com o seu canto…). A quem — e como — terá ele falado de Lisboa e do nosso São Carlos? Dadas as disputas que aqui travou com a célebre Catalani e com o Intendente Pina Manique talvez não dissesse muito bem… mas isso será assunto para outras histórias.

Girolamo Crescentini

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