Quer tomando como inspiração a peça de Shakespeare, quer as histórias italianas renascentistas sobre este tema que inspiraram o bardo inglês, a prodigiosa história de Romeu e Julieta serviu como base literária de dezenas de óperas.
O São Carlos não ficou imune à paixão! Logo quase desde a sua fundação as temporadas do teatro acolheram títulos relacionados com a infeliz história dos adolescentes de Verona: assim, logo em 1778, 1799 e 1800 tivemos em cartaz a ópera Giulietta e Romeo de Niccolò Zingarelli. Nestas três temporadas São Carlos pôde ver e ouvir um homem fazer de Giulietta e um outro, diminuído na sua virilidade (o célebre castrato Girolamo Crescentini), ser seu amante.
Surgiu depois, em 1828, a versão de Nicola Vaccai. Esta teria uma longa história, pois foi quase sempre também utilizada quando se deu a ópera de Bellini. A coisa conta-se depressa: em 1832 em Bolonha Maria Malibran resolveu substituir a parte final da cena do túmulo da ópera de Bellini pela cena final da ópera de Vaccai. Giuditta Pasta também cantou a ópera assim e durante o século XIX foi esta a versão mais utilizada. Em Vaccai muda também o paradigma sexual, dado que o papel de Romeo passa a ser confiado a uma mulher — em São Carlos foi Giuditta Schirolli.
A versão belliniana da história (a ópera I Capuleti e i Montecchi) surgiu pela primeira vez em São Carlos no ano de em 1835 com Carolina Neri-Passerini como Julieta e Isabella Fabbrica como Romeu. Em 1838 surgiram como intérpretes do par amoroso as Ferlotti: Claudia foi a Giulietta; Santina o Romeu. A ópera de Bellini regressaria em 1838, 1841, 1883, 1889, 1895 (consulte-se MIL E UMA E MAIS NOITES). De salientar que em 1841 a Julieta foi Caterina Barili, a mãe da futura estrela Adelina Patti. Grandes intérpretes do Romeo no nosso teatro foram Giuseppina Pasqua e, já bem mais próximo de nós, Jennifer Larmore. Óperas baseadas na peça de Shakespeare foram muitas (Benda, Dalayrac, Guglielmi, Marchetti, Gounod, Zandonai, Bernstein foram alguns dos inúmeros compositores que as escreveram), mas assinale-se que o autor de Norma e o seu libretista Felice Romani não usaram o autor inglês como base literária, mas sim as histórias italianas renascentistas que o tinham por sua vez inspirado. Mais concretamente, Felice Romani inspirou-se numa peça escrita em 1818 por Luigi Scevola. Se confiarmos no Dicionário Groves, a primeira ópera italiana sobre o tema baseada em Shakespeare só surgiu em 1865 com Romeo e Giulietta de Filippo Marchetti.
Assim, durante quase todo o século XIX não se viram Romeus masculinos em São Carlos, visto que tanto a ópera de Bellini como a de Vaccai usam um contralto para o papel. Só mesmo na ópera Roméo et Juliette de Charles Gounod, estreada em Lisboa em 1887, é que Romeu surgiu com voz de homem, de tenor! Foi ele Alexandre Talazac.
A história dos dois amantes de Verona regressou a são Carlos em 2003 quando João Grosso aqui encenou a versão cénica da obra de Hector Berlioz.