What?! Romeu sem Shakespeare?????

A estreia mundial de I Capuleti e I Montecchi deu-se a 11 de Março de 1830 em Veneza com bom acolhimento, mas com poucas representações posteriores. Bellini reaproveitou para esta obra várias melodias da sua ópera Zaira, recebida anteriormente sem sucesso, e afirmou depois que “Zaira, assobiada em Parma, foi vingada por I Capuleti”. Na grande ária de Giulietta no Acto I — “Oh quante volte” — usou por sua vez a romanza de Nelly (“Dopo l’oscuro nembo“) da ópera Adelson e Salvini, escrita em 1825.

I Capuleti e I Montecchi espalhou-se com (relativa) rapidez pelo mundo: em Dresden era apresentada a 1 Outubro de 1831; em Londres a 20 de Julho de 1833; em São Carlos e em Portugal dois anos mais tarde e dois anos depois de Portugal em New Orleans!

A estreia londrina deu-se, pois, em 1833 e esta estreia não pode deixar de ser considerada especial pois Bellini atreveu-se a apresentar em Inglaterra um “Romeu e Julieta” que nada tinha a ver com Shakespeare. Curiosa e surpreendentemente (não se sabe as razões), o compositor escolheu esta ópera para a sua Récita de Benefício (récitas em que parte ou totalidade da receita revertia para o “beneficiado”) em vez da anunciada Beatrice di Tenda. Sabe-se que Londres não conhecia ainda esta ópera e é provável que o compositor a considerasse mais apta para os gostos ingleses. Sabe-se também que Giuditta Pasta nunca afrontara o papel de Romeu, tendo-o aprendido para a ocasião. Só mesmo para o seu amado Bellini ela aceitaria uma coisa destas! Pasta foi uma das maiores cantoras do século XIX e da história e — depois destas récitas londrinas — uma das grandes intérpretes deste papel de Romeo.

Sabe-se ainda que tudo se atrasou. Este benefício estava previsto para os inícios de Julho, mas, em carta à mãe, datada a 15 desse mês, Pasta escrevia: “até agora não tivemos um ensaio completo e as partes da orquestra estão cheias de erros”.

A estreia deu-se finalmente a 20 de Julho, com Pasta, de Méric, Donzelli e Vincenzo Galli. De nada valeu a Bellini a qualidade suprema destes intérpretes, dado que a crítica inglesa acolheu a ópera com sete (melhor seria dizer com catorze) pedras na mão.

O Harmonicum, por exemplo, dizia: “Diremos apenas desta detestável obra que é ainda inferior a Norma”.

O Athenaeum qualificava-a como “completo fracasso” e muitas publicações consideravam Giulietta e Romeo de Zingarelli (antigo professor de Bellini) uma obra de muito maior qualidade.

No meio disto tudo, vá-se lá saber porquê, vários números foram bisados nessa estreia. O Morning Herald resolveu a incongruência noticiando que esse sucesso se deveu ao zelo de claqueurs, que no final da representação fizeram o melhor que puderam para emendar a indiferença da maioria da casa.

Pasta, mais uma vez em carta à mãe, ajuda a clarificar e a recentrar a história. Informava ela que quem organizava as violentas manifestações anti-bellinianans em Londres era um par de dois ex-dirigentes do King’s Theatre.

Assim era, é e continuará a ser o mundo.

Giuditta Pasta

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